Ma-Ai, De-Ai, Zanshin

RECOLHA FEITA POR : Tito Serras Simões

Ma-ai
espaço ou distância poderá ser comparado ao passado;
De-ai
é o tempo do encontro e deve ser considerado como o agora;
Zanshin
é a continuação da energia e da concentração.

Este é o conjunto que confere aos movimentos do Aikido a capacidade de ir para além da beleza de uma dança e tornar-se no movimento de um guerreiro.

Ao controlar o tempo, o espaço e a energia um praticante fraco poderá controlar fisicamente um outro muitíssimo mais forte fisicamente.

Ma-ai

Ma-ai é a distância, no tempo e no espaço, entre forças bem como as suas posições relativas. Ma pode ser traduzido como espaço ou intervalo e Ai como junção ou confluência, sendo assim Ma-ai a junção no espaço, a harmonia do vazio.

O verdadeiro praticante do Aikido deve entender isto e não deve basear a sua prática na força física mas, antes, no uso e controlo do espaço e do tempo.

– “MITSUGI SAOTOME, AIKIDO AND THE HARMONY OF NATURE

Ma-ai é a distancia ideal que se deve pôr entre o próprio e um adversário ou adversários, por forma a ter uma visão global dos elementos e das circunstancias do combate, permitindo, desta forma, entrar na defesa do adversário ao menor indicio e de empenhar a acção defensiva nas melhores condições de eficácia

– “ANDRÉ PROTIN, AIKIDO UN ART MARTIAL, UNE AUTRE MANIÉRE D’ÊTRE

De-ai

De-ai é o tempo envolvido no controlo do espaço destinado a criar a reacção.

É o encontro do positivo com o negativo, o momento da troca.

De-ai é o momento da verdade

O treino do De-ai é fundamental no Aikido. Só percebendo o tempo correcto e a geometria espacial da relação ente o atacante e o defensor se poderá executar a técnica.

O estudo do tempo é o resultado paradoxal de uma intensa concentração e de uma postura e percepção relaxada.

A concentração num pequeno ponto, como a mão ou a espada, estreita as visões espirituais e físicas, fazendo com que os olhos se imobilizem, que o pescoço, os ombros e as pernas se tornem rígidos, provocando uma perca de elasticidade bloqueadora da reacção imediata e espontânea

O momento de reacção perde-se e a reacção só se inicia muito depois do movimento do adversário.

O momento adequado não é o resultado da rapidez mas o resultado de esperar com paciência uma vantagem.

– “MITSUGI SAOTOME, AIKIDO AND THE HARMONY OF NATURE”

Zanshin

Zanshin é o futuro, mas é também o agora. Por isso, não devemos manter permanentemente as ideias do passado na medida em que cada situação é diferente.

– “MITSUGI SAOTOME, AIKIDO AND THE HARMONY OF NATURE”

Zanshin é o espírito ou ligação relaxados que se torna necessário manter depois de se ter rompido o contacto físico.

– “PHONG THONG DANG E LYNNN SEISER; AIKIDO BASICS / AVANCED AIKIDO”

Zanshin é a posição de controlo e de domínio que se deve ter após a execução de uma técnica

– “CHRISTIAN TISSIER, AIKIDO INITIATION”

Zanshin significa “o restante da mente”, e também “a mente sem restante”. Este é o espírito da acção completa. É o momento no Kyudo (tiro ao arco Zen), que se segue ao disparo da seta. Trata-se de “Om makurasai sowaka” da prática de oryoki1 e do beber água. No shodo2 é o finalizar a pincelada e fazer o movimento com a mão e o pincel afastando-as suavemente do papel. Ao dar uma passada, é o deslizar o nosso peso suavemente e iniciar a próxima passada. Ao respirar é o bafo é o alento. Na respiração profunda é o bafo. Na vida, é a vida. Zanshin significa seguir completamente, não deixando rastro. Significa cada coisa, por inteiro, tal como ela é.

Zanshin é a extensão do espírito, a continuação da energia e da concentração que nos prepara para a próxima acção.

Zanshin é a continuação da vida. Quando se faz uma técnica no Aikido, ela não é o fim de tudo, é principio para a nova acção. Por isto, nunca se deve perder a concentração, nunca se deve perder a guarda, mesmo por um só momento.

Quando o corpo, a respiração, a fala e a mente são dissociados uns dos outros e dispersos no conceito e na estratégia, a consequência é que nenhuma acção verdadeira é tomada. Só haverá hesitações, ou tentativas de as ultrapassar. é o espírito de esperança e do medo, que acontece quando se tenta viver noutro momento, em vez do momento actual. Uma pessoa compara, planeia ou tenta manter uma ilusão de controlo no meio de uma realidade que está completamente para alem de controlo

“Para além de controlo” não significa “fora de controlo”, significa que a sensação de solidez, o conforto e a previsibilidade que a auto–imagem tenta manter é completamente irrelevante para situação actual de cada um.

Não se sabe o que esta frase é vai significar até que ela é lida. Depois de se ler, as formas negras e as letras tornam-se palavras e significados e só então se sabe que a leu.

Só depois de ter um pensamento é que se tem a ilusão de que se pensou nisso.

A auto-imagem surge como memória, como uma contracção em torno da vivência da vida, tal como ela é, e, a fim de determinar o sentido de sua própria continuidade, junta as coisas e amontoa-as. Fá–lo, ignorando a maior parte dos detalhes do momento, embotando a vivência empurrando-a e puxando-se para um imaginário “passado” ou “futuro”. Contudo, a energia decorrente do presente momento é a energia da nossa própria vida e ignorar esta vasta energia leva-nos a ficar sem vida, confinados, hesitantes, penosos, irritados, preconceituosos, culpados, tristes.

Zanshin significa fazer cada coisa completamente, sem que se fique firmemente agarrado a velhos princípios.

Por vezes, encontramo-nos perdidos num pensamento e, quando acordamos dele, cortamo-lo. Em seguida, damos por nós a verificar se tínhamos cortado aquele pensamento. Contudo, esse pensamento desapareceu e estamos a tentar encontrar uma definição de nós próprios, estamos apenas a tentar ser alguém que “cortou o pensamento”.

Ao invés disso, quando despertamos do pensamento, podemos dizer: aí está, e agora?

Zanshin significa então um espírito de contínua prontidão, tal como um espelho pronto para reflectir o que lhe for colocado em presença

O Zanshin nas artes marciais implica que não haja interrupção na nossa acção dado que não há tempo para voltar repetir um avanço ou refazer uma técnica.

Significa também ir além da técnica na medida em que não podemos forçar a que uma situação se conforme com a técnica que queremos aplicar. O ângulo de ataque e da força devem ser ajustados imediatamente para a energia do adversário.

No treino, devemos ir além estratégias de defesa e das hesitações. Temos de nos abrir à energia da mente tal como ela vê, ouve, toca, saboreia, cheira e pensa.

Penetrada nesta energia, devemos ir além dos obstáculos.

Muitas vezes, quando tentamos expressar uma actividade completa no zazen3 ou no dokusan4, ou por exemplo ao lavar os pratos, ao cavar o jardim, ou ao pagar as contas, podemos impor-nos uma mente “fresca”, fabricando algum tipo de prática do espírito ou uma mente de sabedoria. Contudo, a verdadeira acção ou a verdadeira sabedoria resulta da energia desse momento.

Ao renovar continuamente a mente simplesmente concluímos que este espírito “fresco” sabe o que faz.

Existe a mente do ver, a mente do ouvir, a mente de postura, a mente do andar, do sentar, de estar de pé, assim como a mente dos pensamentos. Quando paramos e tentamos impor a “nossa mente” ao momento, o espírito do momento pode-se manifestar de forma clara e com conhecimento completo, tal como as dez direções e as três vezes.

Isto é o que o “Avatamsaka sutra”5 aponta nas suas palestra sobre Buda. Significa também abertura para a clareza das experiências e a penetração na natureza da sua própria experiência.

Temos de encontrar a nossa sabedoria na simplicidade e na riqueza deste momento próprio.

Azul é inquestionavelmente azul.

Respiração é respiração.

Som é som.

Zanshin significa permitir que cada Dharma6 seja ele próprio. Isto significa que, “onde quer que uma coisa esteja, ele está onde deve estar”, como Dogen zenji7 diz no “Genjokoan”8.

Significa dar um passo completo.

Significa nada deixar para trás e nada empurrar para a frente. Significa ter atenção às nossas vidas.

– “Anzan Hoshin Roshi, Without Hesitation”


  1. Forma formal de comer no budismo Zen ↩︎

  2. Caligrafia japonesa ↩︎

  3. Meditação Zen sentada ↩︎

  4. Encontro privado entre um mestre e um aluno ↩︎

  5. Escritura Budista mostrando o caminho de Bodhisattva (ou o treino de Buda) e a visão mística da realidade que se vê ao aproximarmo-nos de Buda ↩︎

  6. Refere-se aos ensinamentos e doutrinas de diversos fundadores de tradições, como Siddhartha Gautama no Budismo e Mahavira no Jainismo ↩︎

  7. Ou Koso Joyo Daishi (19 January 1200 – 22 September 1253) foi um mestre do Budismo Zen que fundou a Escola Zen Soto no Japão ↩︎

  8. Tradução dos ensinamentos de Dogen feito pelos mestres Yasuda Joshu e Anzan Hoshin ↩︎